Caçada ao pesadelo





Diário de Victor Lopes


14 de agosto – Caçada ao desconhecido.

            Estou em Santa Luzia, próximo a minha antiga casa, está frio, como sempre. Estou caçando. Ainda não descobri o que, mas sei que estou...
            Estou com esse habito. Diários, não sei dizer quando comecei, mas, me ajudam a lembrar das coisas, a lembrar do que cacei e do que passei.
            Separei-me de meus companheiros por alguns dias. Precisava de tempo comigo mesmo, e assim rumei para casa, precisava de um lugar para pensar... Mas parece que nunca poderei descansar por mais de algumas horas, tempo em que uso para dormir e escrever essas linhas, o mau sempre me procura ou esbarra comigo.
            No caminho, soube de um caso. E parece que sou mais instintivo do que pensava ser. Joguei-me de corpo e alma para caçar o desgraçado. Já descobri o seu padrão. Garotas no fim da adolescência. E parece que gosta de vê-las enquanto dormem. Poderia parecer apenas mais um maníaco sexual... Mas seria um maníaco muito mais maníaco do que o esperado. As vitimas são encontradas, literalmente, aos restos. São mastigadas e depois abandonadas em suas camas. Penso que é possível terem sido estupradas também... Mas é apenas uma suposição de minha mente paranoica.
            Hospedei-me em hotel barato da rodovia. Não quero me demorar mais do que o necessário por aqui. Não gosto da aparência da mulher que me atendeu, ela não parece ser alguém normal...


15 de agosto – Em busca do desgraçado.

            Descobri o que estou caçando. Um maldito pesadelo. Conhecido por aqui como Jurupari. Literalmente, no idioma indígena daqui, isso significa “sono” ou “pesadelo”. Atacando apenas no mundo dos sonhos. Esse parece ser um caso especial... Não são muitos os que conseguem se mostrar ao plano físico.
            Armas comuns não irão funcionar, por sorte tenho o que o mata. Uma faca de prata. Monstros em geral não costumam resistir bem à prata. Algum dia ainda irei pesquisar o real motivo para tal...
            Noite passada, sai para caça-lo. Não foi bonito. Mais uma garota se foi. E agora, mais uma morte está impregnada em minha mente. Mais uma alma que eu não pude salvar. Sinto-me frustrado.
           Preciso mata-lo logo. Acho que preciso de uma isca, mas quem iria querer se expor para tal? Preciso de ajuda...


16 de agosto – A ajuda logo veio.

        Consegui minha isca, ao menos espero que ela sirva, é irmã da primeira garota. Julia alguma coisa, não me interessei por seu sobrenome, mas, ela quer vingar a irmã. Parece-me que eram muito unidas. Pude contar a ela quem eu era, o que fazia e o que precisava dela.
            Ao anoitecer, encontrava-me em seu quarto. Expliquei-a que deveria relaxar dormir seria o adequado, enquanto eu realizaria o ritual para trazer a criatura diretamente a nós... Na verdade estava tornando-a o alvo mais chamativo para o pesadelo, mas preferi ocultar isso dela, nem tudo é para ser contado.
            Com o rito feito, o que poderia fazer era esperar. Cedo ou tarde ele apareceria. Esperava pelo bem dele que fosse cedo...

            Eu cochilei! Sentado em uma cadeira próxima a cama de Julia, acabei caindo no sono. Acordei assustado, com o grito da garota ecoando pelo quarto pouco mobiliado.
            Mesmo com o quarto estando escuro, pude ver o Jurupari.
            Ele era, realmente, como dizia na lenda, feio que dava dó. O maldito sorria com aquela boca torta, faltando-lhe dentes e os poucos que ainda lhe restavam eram muito tortos. Parecia que iria devorar a garota apenas com os olhos. Não sei dizer se era desejo alimentício ou sexual. Espero não saber, queria apenas mata-lo e poder partir daquela cidade.
            De um salto, eu o ataquei. Tentei acertar-lhe o pescoço, mas apenas feri seu peito. Um corte feio, mas parecia não ser suficiente. Com ira ele jogou-me contra a parede e manteve-me lá. Mesmo sem me tocar ele estava me matando. Odeio muito esse tipo de criatura... Gênio. É isso que o pesadelo é na verdade. Um gênio maldito que se mostra apenas nos sonhos. Gostam de brincar com as pessoas.
            A faca fora parar do outro lado do quarto, sentia que ele se aproximava de mim. E cada vez mais o pouco ar que eu tinha se esvaia.
            Julia, que estava parada, paralisada eu diria, moveu-se em direção a ele. Ela empunhava minha faca. Não havia visto que ela tinha a pego. Ela não conseguira acertar o pesadelo, mas seu movimento conseguira fazer com que ele me soltasse.
            Livre de seu domínio, consegui então segura-lo por suas costas. Deixando Julia livre para que pudesse desferir a faca diretamente contra seu torso.
            O que houve em seguida fora preocupante. Nunca havia enfrentado um pesadelo que explodisse quando morto. A faca transpassara seu corpo, morto sim, e assim fizera com que eu fosse atingido pela mesma. Estou com mais uma cicatriz em meu abdômen. Uma pequena recordação de mais uma caçada.
            Ainda assim, as coisas estão erradas... Gênios que explodem?! Onde já se viu algo disso?


18 de agosto - Partindo.

            Estou finalmente saindo desse lugar. Já não aguentava mais.
            Julia me fez ficar em sua casa por mais um dia. Para que o ferimento tivesse tempo de se fechar. Não consegui faze-la mudar de ideia. Tive que ficar... Não gostei da ideia, isso me mantinha preso à cidade.
            Mas enfim estou indo. Tenho que ir para casa.
            Mais um caso resolvido, mais uma cicatriz, mais uma vida salva, mais uma vez posso sair de um lugar sem receio de ter deixado algo inacabado.
            Talvez em casa eu possa pensar. Talvez consiga as respostas que procuro. Talvez encontre a solução... E talvez algo tenha sobrado naquele lugar, isso se já não saquearam a casa de minha infância.
            Sigo agora pela rodovia... Assim vivo. Sempre caçar e jamais parar.